domingo, 26 de novembro de 2017

Solipsismo - Fragmento 3

MADA

Eu só queria alguém que me amasse, que me admirasse, que me desse atenção o tempo inteiro. Alguém que fizesse minha vida fazer sentido, alguém que conseguisse me fazer vencer o tédio, dar cor ao mundo e às coisas em minha volta. Eu queria isso e queria o tempo inteiro.
Quando criança viajava para visitar os parentes, as viagens eram longas. No caminho, quando não conversava com meus pais, olhava para o nada e mergulhava a imaginação em romances. Eles vinham fácil, sem muitos esforços. Histórias com grandes emoções, aventuras cujo central era não apenas superar as adversidades do mundo, mas alcançar o bem maior e sublime: o grande amor. Aquelas histórias me relaxavam, me tranquilizavam frente às limitações da vida na infância. Uma vida sem liberdade, sem autonomia, de pura dependência dos adultos e, principalmente, uma vida sem poder concretizar romances.
Mesmo católica, nunca quis ser freira. Nenhum fanatismo religioso do mundo seria capaz de me dissuadir a querer viver as maravilhas da paixão, de desejar um homem. Os homens sempre foram parte de minha imaginação e desejo. Neles eu me via valorizada, a eles eu queria impressionar, pois a grande vitória seria um dia encontrar o melhor deles, o que seria perfeito para mim, minha redenção, o realizador da minha felicidade.
Deve ser por isso que aquele dia eu ri delas. Não as vi pessoalmente, mas vi um cartaz afixado num dos murais da universidade: MADA. Mulheres que Amam Demais Anônimas, dizia. Achei aquilo a coisa mais ridícula. Debochei, não lembro se para mim mesma, dentro de meus pensamentos, ou se cheguei a externar com alguém este deboche. Fato é que não me parecia haver sentido naquilo. Um alcoólatra procurar um grupo de autoajuda? Ok. Um viciado em cocaína buscar um grupo anônimo para compartilhar suas angústias? Normal, compreensível. Mas aquele vício não químico e um vício exclusivo de mulheres, eu achei ridículo.

Talvez sequer tenha entendido o que significava. Provavelmente não vi que eram mulheres que sofriam por necessitar agradar a todo custo os homens, por procurar príncipes encantados e fazer tudo por eles. Não me reconheci nelas, não tive empatia por elas. Mas elas eram eu.




Mariana Penna, 2017.

2 comentários:

  1. Ótimo! acho que você conseguiu mergulhar na emoção dessas mulheres e porque não de muitos em geral? se a homens que também vivem essa situação, procurando agradar a quem consideram uma Deusa. Parabens!

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    1. Muito obrigada! Somos muitas e muitos que sofremos com as idealizações, viver é um desafio. E nos conhecer é a chave pra enfrentar ele de frente!

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