No início do dia, perambulava um pouco pelo centro da
cidade, principalmente ao redor da catedral, a poucos metros do casarão. Lá
recebia alimentação. Então voltava para casa, xingando sempre todos os homens
que cruzavam seu caminho. Resmungava e cuspia no chão, como se o mesmo fosse o
rosto do ser agredido. Mas algumas vezes suas agressões não passavam impunes e
a louca levou uns bons tabefes. Dizem até que certa vez um mendigo agarrou a
velha mostrou-lhe o poder de seu falo mau cheiroso.
Mas, talvez por autopreservação, afinal mesmo na insanidade
ainda pode existir algum senso de autopreservação, a mulher permanecia a maior
parte do tempo que ainda lhe restava no interior do casarão.
Fora algumas visitas inoportunas, tais como jovens drogados
de álcool ou outras substâncias, a velha podia desfrutar de certa paz ao
enfurnar-se naquele imóvel em decomposição. Aquele era seu castelo mal
assombrado, aqueles farrapos eram seu vestido de princesa amaldiçoada, aquele
odor nauseante era o perfume putrefato do seu jardim.
Por trás de uma figura humana que só inspirava pena ou
zombaria em seus semelhantes, residia uma história, não muito incomum.
Ninguém sabia seu nome por onde a velha se encontra, mas
anos atrás ela se chamava Dora.
Algumas décadas antes, era de Dorinha que a chamavam. Era o
chamego de seus pais, filha única, enchiam-na de mimos.
Ainda bem pequena gostava de andar pelo jardim a observar
insetos: as formigas eram os que mais lhe agradavam. Seu pai comentava: “Essa
vai ser cientista quando crescer! ”.
Já planejava comprar-lhe um microscópio de aniversário, mas
não, algo chegou antes disso: havia algo que Dorinha passou a amar mais que as
formigas, algo que podia faze-la até mesmo esquecer das formigas! Eram as
histórias de amor de príncipes e princesas, heróis e heroínas, pessoas
importantes que conseguiam tudo o que precisavam para serem felizes. O amor era
perfeito, inebriante e eternamente intenso. Suas roupas eram lindas, suas casas
castelos cheios de luz e esplendor. Assim, quem precisaria de formigas se pode
usufruir dos Clássicos da Disney? Quem vai olhar com maior interesse a
realidade a carregar folhinhas lá fora se dentro de casa um mundo cor-de-rosa a
espera? Principalmente quando esse mundo está mais dentro ainda, dentro da
cabeça, dos pensamentos, dos momentos de ócio ao sonhar acordada, ao mirar a
paisagem para fora do ônibus, ao ouvir uma música romântica! ... O sonho tomou
conta de Dorinha.
E desde bem cedo se manifestou, externalizando-se,
encarnando-se em uma sequência de figuras masculinas.
Na escola, a tristeza pelo afastamento de seus pais deu
lugar ao bem querer por algum coleguinha. Ano após ano, costumava enamorar-se
por alguns deles, um de cada vez, lógico! Escrevia cartas secretas, confessava
seus amores para suas amigas. Sonhava, imaginava situações empolgantes, beijos
com gosto de mel. Não passava um dia em que fantasiar situações românticas não
fosse o passatempo preferido de Dorinha.
Ao chegar a adolescência, pensava ela, era hora de
transformar o platônico em real. Demorou um tempo até que conseguiu enfim obter
seu primeiro beijo! Quanta ansiedade! Ela tremia tanto! Mas quando chegou o
momento, não houve badalar de sinos, a trilha sonora do filme romântico não
tocou, o cheiro de jasmins no ar não foi sentido e não houve nenhum sabor de
mel. Não que tenha sido ruim, nada disso, mas simplesmente passou muito longe
de tudo que ela ouvia falar e imaginava.
E passou-se mais tempo, tornava-se adulta e, como tal, enfim
arrumou um namorado. E ele era um homem consensualmente lindo. De boa família,
estudado, 7 anos mais velho que Dora, funcionário público. Era certo que suas
amigas e principalmente suas conhecidas a iriam invejar. Dora se sentia
importante ao lado daquele homem, mas por algum motivo, que ela nunca conseguiu
bem entender, Leonardo nunca despertou nela aqueles arrepios tão esperados de
quando ela assistia a algum filme romântico. Seu coração acelerou algumas vezes
quando ele a tocou, mas não chegou nem à metade do que ela sentia em relação as
suas paixões infanto-juvenis. Por isso, Dora concluiu que assim como o beijo
perfeito só existia no plano da imaginação, um tórrido caso de amor era também
àquele reino pertencente. Era portanto platônico, e sendo platônico, ela como
mulher agora adulta, deveria finalmente deixar de lado. Afinal, uma coisa era
fato: a sorte grande lhe sorria, e ela sabia que não eram poucos os que
cobiçavam sua sorte e que se perguntavam o que fazia um homem tão bem apessoado
com uma mulher de natureza ordinária. Então aceitou seu bom destino, aceitou todas
as propostas que aquele belíssimo homem lhe fazia: namoro... noivado... e
enfim: casamento!
E assim se encerra a história de Dorinha e começa a história
de Dora.
Seu pai sentia que alguma coisa não estava muito certa
naquilo tudo, mas não era da condição de um pai ter conversas sobre matérias
sentimentais com sua filha. Resignou-se a sentir calado o desconforto de um pai
preocupado com o futuro emocional de sua filha.
Casaram-se. Partiram em lua de mel. Dora ainda virgem, não
porque tenha negado a investidas de seu noivo, mas porque este se absteve de
fazê-las tendo em vista manter a pureza de sua inocente futura esposa.
No hotel, enfim o esperado momento da cópula matrimonial poderia
se concretizar, mas não. O noivo se esforçou, mas a barreira física do hímen de
Dora, possivelmente aliado ao nervoso do momento e sua consequente falta de
lubrificação, impossibilitou que a noiva fosse penetrada. Foram necessários
dois dias de esforços tremendos para que o casamento fosse consumado. E quando
enfim o sangue lhe escorreu pelas pernas, ela se sentiu aliviada e pensou: bem,
agora isso deve melhorar... mas não.
O sexo se tornou um drama na vida de Dora. De uma coisa
profundamente desejada a um ato de obrigação e que só lhe provocava
desconforto.
Certa vez ouviu dizer que algumas mulheres se queixavam da
brevidade com que seus homens lhes penetravam, era a tal ejaculação precoce.
Ai, mas como Dora invejava a sorte dessas mulheres! Seu marido, ao contrário,
passava um tempo que lhe parecia horas a lhe penetrar, oscilando velocidades moderadas
com aceleração intensa. Algumas vezes tentou pedir que ele não fizesse sexo com
ela, deixasse para outro momento. Mas Leonardo forçava a barra e ela não sabia
dizer não. Ela nunca sabia dizer não para ele.
Aos poucos, dia a dia, seu espírito foi se deprimindo. Com
seu marido já pouco conversava, mesmo na época em que eram namorados. Mas foi
se tornando cada vez mais calada com todos. Sentia-se triste. Chorava com
frequência quando estava sozinha, principalmente no banho. Às vezes, quando
sabia que não havia ninguém que a pudesse ouvir, chorava de soluçar ao ponto de
seu corpo não suportar. Pouco a pouco se
arqueava, escorria pelas paredes do box até chegar ao chão. Lá olhava cair
sobre si a água doce e quente do chuveiro, que corria em paralelo com a água
salgada e quente de seus olhos sobre o rosto.
Mas quando seu marido chegava, sempre esboçava um sorriso,
fazia o mesmo com relação às visitas. Mas qualquer um que a conhecesse de
verdade, sabia que ela não era a mesma. O problema, pensava ela, é que parecia
que ninguém a conhecia de verdade, pois sentia que ninguém percebia a
infelicidade que diariamente ela mascarava.
Pessimista, não conseguia ver nenhuma alternativa para
alterar sua situação. Não trabalhava fora de casa, por isso passava muito tempo
sozinha. Seu consolo era novamente mergulhar nos caminhos da imaginação. Seus
sonhos? Romances fantásticos. Vivendo uma realidade que não lhe convinha,
dedicou cada minuto de ócio, cada momento de lazer e descontração a fantasiar
uma paixão. Somente aquilo lhe aliviava o peso. Mas, racionalmente, sabia que eram
histórias que só existiam nos livros e filmes de romance. Na vida real? Não,
não, isso não era possível. Mas desejava, no fundo desejava aquela redenção.
Como se espera de toda mulher casada, Dora foi abandonando
suas amigas. Ou suas amigas foram abandonando Dora? Parecia que havia uma
simultaneidade nos abandonos. Afinal, é de conhecimento geral que “mulher
casada não tem amiga”. Mas isso não significa que sua casa ficasse sempre
vazia. Não, seu marido, ainda que não fosse das pessoas mais extrovertidas e
comunicativas, tinha alguns amigos que lhe visitavam com certa frequência, e
com eles vinham suas esposas. Dora as vezes gostava dessas visitas, aliviavam
um pouco a solidão. Mas, por mais resignada que fosse não deixava de se
incomodar com a organização sócio-espacial de sua casa naqueles dias. Os homens ocupavam
a sala, sentados confortavelmente nos sofás, enquanto as mulheres, algumas
vezes acompanhadas de crianças, circulavam entre a sala, a varanda e,
logicamente, pela cozinha. Ela servia os amigos de Leonardo, mas nunca
participava das conversas. Sentia vontade, mas os assuntos, normalmente
política ou esportes, eram temas sobre os quais ela se sentia insegura para
palpitar. Acabava conversando com as outras mulheres sobre a carreira de seus
maridos, sobre filhos e assuntos familiares em geral.
E por falar em filhos, Dora sentia um verdadeiro nojo pela
ideia de gerar um filho com seu marido, por isso se aplicava com dedicação ao
uso dos mais novos métodos anticonceptivos já criados na época. E quanto a isso
seu marido não se opunha, preocupado que estava com a estabilidade econômica da
família, lançava ao futuro a expectativa de deixar ao mundo um rebento como
herança.
E a vida seguia seu curso até um dia em que Dora teve sua
rotina de visitas alteradas. Seu marido tinha um novo amigo: Henrique, um jovem
estudante de medicina. Havia muitas pessoas na sua casa aquele dia. Além dos
anfitriões, lá estavam três casais, cinco crianças e este jovem estudante. Após o jantar, a maioria das pessoas foi para
a varanda conversar. Dora retirou os pratos e foi para a cozinha organizar as
coisas. Pouco tempo depois, chegou à cozinha o jovem. Sem perguntar nada,
apressou-se a ajudar a anfitriã na lavagem dos pratos. Admirada pela ajuda
inédita de alguém do sexo masculino, Dora como boa anfitriã, tentou negar o auxílio.
O jovem, com seu jeito extremamente cortês e linguajar polido, afirmou a
vontade de ajuda-la na tarefa e iniciou a conversa. Em poucos minutos já
falavam sobre os problemas sociais do país e em especial sobre a situação
difícil e limitada em que se encontravam as mulheres... Dora estava encantada...
Mas, antes que sua presença na cozinha se tornasse demasiado longa e,
consequentemente imprópria, o rapaz se despediu e foi juntar-se aos demais
homens na varanda.
Dora sentia-se leve. Era como se pela primeira vez pudesse
falar sobre assuntos importantes e que lhes eram vetados. Ao mesmo tempo, não
podia parar de lembrar daqueles olhos castanhos e de seu contorno levemente
asiático. Ouviu alguma coisa sobre sua avó ser japonesa. Aquilo lhe encantava,
mais do que os tão invejados olhos azuis celestes de seu marido.
Chegado ao fim da visita, a anfitriã despediu-se dos
convidados, mas foi somente a um deles que ela destinou um sincero sorriso de
adeus e seus olhos se encheram de alegria.
Para sua felicidade aqueles encontros passaram a se repetir
com alguma frequência, assim como as conversas na cozinha. Até o dia em que
Henrique tocou sua mão ao pegar um prato para secar. Um arrepio subiu-lhe a
espinha e lhe prendeu a respiração. Ele saiu. Alguns minutos depois voltou. Num
ato de ousadia, perguntou a ela se haveria algum dia em que pudessem conversar
as sós, sem se preocupar com que os outros pudessem pensar daquilo. Sem muito
hesitar, ela lhe passou o dia e horário em que seu marido estaria fora de casa,
felizmente em uma viagem de trabalho.
A semana inteira Dora ficou a fantasiar sobre como seria
aquele encontro. Imaginava ele entrando em sua casa, e sem falar nada,
atirava-se apaixonado sobre ela, distribuindo-lhe os beijos e carícias que ela
tanto ansiava. Chegada a quinta-feira, lá estava ele, em sua casa. Mas não lhe
tomou pelos braços e agarrou seu corpo ao seu. Não, sua postura era mais tímida
e repleta de uma delicadeza incomum nos seres do sexo masculino. Ao invés dos
beijos exasperados, ele lhe ofertou uma linda conversa em seu tom de voz
afável, enquanto amaciavam a moral e a decência com repetidas doses de vinho. Como
era inevitável, ao final da tarde chegou o momento em que os dois de fato se
fizeram amantes e ainda que não tenha ouvido o badalar dos sinos, Dora se viu
completamente imersa numa sensação indescritível de prazer. Nunca sua pele
pareceu tão sensível ao toque, nunca um beijo lhe doou e absorveu-lhe tantas
energias. Afinal, era então verdade o que aqueles filmes e livros contavam! Por
isso tanta gente sonhava em viver uma experiência como aquela!
Mas e o sexo? O sexo... ah... agora sim podia se falar em
sexo. Naquele dia, ela foi realmente apresentada a ele. Não podia imaginar que
fazer amor pudesse trazer tanta satisfação ao corpo e ao espírito. E ela não
conseguia parar de pensar por sequer um momento na sensação quase que
indescritível que era sentir o corpo de Henrique sobre o seu, sua pele repleta
da pele daquele homem. Lembrar das carícias que lhe percorriam o corpo, dos
lábios que lhe tocavam a nuca, das suaves mordidas que lhe faziam
institivamente gemer... Pensava ainda na sensação, única até então, de estar
tão imersa em prazer que parecia que se avançasse mais um pouco, seu corpo não
resistiria ao êxtase e desfaleceria de vez. Mas não, o deleite continuava a
avançar e avançava, e sentindo aquele homem que tanto lhe atraía dentro dela, sentindo-se
completamente ali, com ele, no mundo real e não dos sonhos, ela conseguiu se lançar
àquela sensação e sem mais medo de desfalecer, entregou-se naquela comunhão
perfeita...
Mas... dizem que tudo que é bom tem um fim. No dia seguinte
Henrique foi embora. Seu marido voltou dois dias depois. Ela temia que aquele
tivesse sido o primeiro e único encontro de seu tórrido caso de amor. Durante
duas semanas aguardava ansiosa alguma notícia de seu amante, mas nada. Teria
ele gostado daquela experiência? Teria sido aquilo tudo fantástico somente para
ela? Essas perguntas não paravam de tumultuar seus pensamentos.
Mas passada mais uma semana, lá estava ele em uma visita na
sua casa, tão cheia de pessoas como aquela primeira em que os dois se
conheceram. Dora estava nervosa, suas mãos não paravam de tremer. Era um misto
de nervosismo e ao mesmo ansiedade e satisfação por ver o homem que tanto
desejava. Como de praxe, foi na cozinha que ele a abordou novamente e mais um
encontro secreto foi marcado.
A este mais alguns se seguiriam, cada vez mais espaçados. E
Dora não sabia se era sua impressão ou se o amante pouco a pouco perdia por ela
o interesse. E esta angústia enchia sua cabeça de preocupações, de inseguranças!
Estaria ela se vestindo mal? Seu desempenho sexual estava abaixo das
expectativas do amante, ou teria ele se interessado por uma mulher mais jovem e
mais bela? Talvez com estudos, mais assuntos do que aqueles com os quais ele
podia com Dora papear? A insegurança tornou-se o estado cotidiano de ser de
Dora. Ela só sentia essa insegurança amenizada quando ao lado do amante, este
lhe enchia de elogios. Elogiava seu corpo, sua beleza, elogiava sua
personalidade. Era um alívio, um alento... Naqueles momentos se enchia de
esperança e pensava em terminar de vez seu casamento e entregar-se àquele amor.
Pensava muito nisso, mas não falava ao amante. Não falava, pois ele nunca levantava
este tipo de assunto. Será que Henrique esperava pela iniciativa dela? Será que
não estaria ele também inseguro por Dora não manifestar claramente o interesse
de abandonar o marido em função dele? Em meio a otimismos e pessimismos, ela se
torturava, mas a demora que se ampliava entre cada novo encontro fazia o
pessimismo aos poucos se acentuar. Ela sofria, mas não tinha coragem de
questionar ao amante o porquê de tão longos intervalos sem se verem. A cada
encontro, vinham os elogios, ele dizia o quanto gostava de encontrá-la e que esperava
conseguir revê-la em breve. Vinha o alívio, mas o alívio não resistia ao fato,
e o fato era que apesar das desculpas de estar sempre com algum empecilho,
Henrique cada vez esforçava-se menos para lhe ver. Sentia-se ansiosa o tempo
inteiro, nervosa, padecia a antecipação da perda do amante. Pensava em que
estaria errando para que ele não mais a quisesse... esta aflição lhe consumia
as energias.
E então, sem mais explicações, Henrique parou de lhe
procurar. Esteve no jantar em sua casa, conversou com os homens, mas não foi
até a cozinha e despediu-se com um adeus cortês. O coração que parecia
explodir, não podendo, apenas transbordou o veneno e a dor que se espalhou em
todo o corpo. Os meses se passavam e ela tentava descobrir o que havia
acontecido, ou melhor, quem lhe havia substituído. Discretamente sondava as
mulheres dos amigos de seu marido e não tardou muito até que descobrisse que
Henrique namorava há mais de 3 anos uma colega do curso de medicina e que já
estavam de casamento marcado.
Pensava com frequência se Henrique teria em algum momento
lhe amado. Conjecturava circunstâncias em que estivesse ela desimpedida: teria
ele a destinado exclusivamente o seu amor? Mecanismos inúteis de aliviar a dor.
Ou acentuar? Não sabia. Mas havia que seguir adiante, por mais que o adiante não
fizesse muito sentido.
Um dia, assistindo “Anna Karenina”, sentiu-se como a
personagem do filme, e agradeceu, a sorte (seria sorte?) de não ter se desfeito
de uma relação sólida como a personagem o fez em função de um relacionamento
fadado ao fracasso. Sorte também de não ter se jogado nos trilhos do trem em
movimento. Mas tampouco o trem da sua vida parecia lhe levar a algum lugar. Porém,
aceitou seu destino. Que mais faria?
Os anos passavam e antes de completar os 60 anos seu marido
faleceu.
E agora, se viu pela primeira vez sozinha. Ela, que não
imaginava sua existência senão em função de um homem, em relação a um homem, mas
esse homem nunca existiu e agora Dora estava só. Seu corpo velho, seu rosto já enrugado,
não podiam provocar desejos. E agora, o que seria ela, que não construiu a si
própria, que só construiu expectativas?
Dedicou sua vida ao sonho, à expectativa. Como um fanático
religioso que ao se entregar à promessa de salvação e vida eterna, vive por
isso, ela se entregou ao sonho do amor redentor. Parecia fadada à solidão... Mas não... eis que algo por ela
se afeiçoou... seu nome? O Desespero, e este trouxe em pouco tempo, para morar
com o novo casal, sua noiva. E de uma relação à dois formou-se em pouco tempo um
ménage à trois, pois a Loucura estava ávida por integrar a relação.
Assim se encerra a história de Dora e começa a história da
velha do casarão.
Mariana Penna, (2008, 2013, 2014)