sábado, 31 de maio de 2014

Relógio “adiantado”



Ela olhava para seu relógio em suas cinco horas de diferença, mas não encontrava a coragem para acertar o horário. Sabia que a ideia era absurda, mas sentia o relógio como um vínculo, um elo com aquele universo perdido. Um portal seria ele. Não, não seria. Não existem portais. Teria sido verdade?
De sua vida anterior, fantástica e intensa, ela partiu para outra forma de vida fantástica e intensa. Agora, não podia voltar para nenhuma. Talvez uma maldição lhe dissesse: “Já teve muita sorte, mocinha! Agora vamos pisar no seu freio! ”. Mas não havia freio, o freio estava tão somente na sua cabeça, na sua cabecinha confusa que busca confusão onde deveria achar calmaria!
Mas havia sido de fato um universo em paralelo. Um mundo de possibilidades, de aventuras absolutamente imprevistas. Um mundo em que ser solitária era a mais alta virtude e levava a um tipo de liberdade ainda não vivida. A solidão não era um defeito, mas o pré-requisito para tantas possibilidades. Sentia falta da solidão...
Queria, de alguma forma, de volta, aquele momento em que o curso normal de sua vida fora suspenso, dando lugar a um universo paralelo. Queria viver todas as intensidades, queria viver todas as possibilidades... Queria, queria e queria! Mas sabia que abusava de tanto querer, que uma vida é muito pouca para tanto e que só se vive um mundo de cada vez. O tempo é curto, há que correr, há que acelerar! Mas infelizmente, não haverá jamais intensidade que consiga satisfazer o tanto de seu querer. Como seria possível, então, atrasar as cinco horas do seu relógio?

Mariana Penna, 2014.