Toda vez que lhe perguntavam por que a maioria de seus
personagens, especialmente os protagonistas, eram femininos, seu sangue fervia. A raiva era muita, mas preferia não responder
para não perder as estribeiras e não “confirmar” a teoria da histeria feminina.
Desconversava, mas em seu íntimo o que aflorava era o incômodo, afinal como era
possível haver tal estranhamento?! Autores homens escrevem majoritariamente
sobre personagens masculinos e ninguém pergunta a eles por que seus
protagonistas são também homens. Já no seu caso, ser mulher e ter personagens mulheres
era visto como exotismo e se incomodar com este estigma seria visto como
histeria, neurose feminista
Ela escrevia principalmente sobre amor e sexo. Amor e sexo
são certamente o que mais vendia. Crítica social também tem uma boa saída, desde
que se mantenha nos limites bem comportados de um Gabriel O Pensador, ou seja,
falar mal dos políticos, de corrupção, dizer que os outros são alienados ou
“louras burras”, mas nunca tocar no ponto sobre quem são de fato os donos do
poder. As pessoas gostam de se sentir inteligentes, críticas, mas especialmente
no que se refere às artes, muitos se limitam a atacar os sintomas e não as
causas das doenças sociais. Deixemos essa coisa de origem dos problemas para os
historiadores e seus livros que só circulam nas universidades e vamos bater nos
políticos, que na verdade não passam de testas de ferro dos grandes empresários
capitalistas. E já que ela não podia fazer críticas de verdade sem cair no
ostracismo, preferia então não ser mais uma a cair no lugar comum de “Que país
é esse?”, pois desse mar de clichês “classe média sofre” ela já estava
nauseada. Portanto, fazia seu trabalho de forma despretensiosa, reconhecendo os
limites que a indústria cultural capitalista lhe impunha. Em paralelo,
circulava seus escritos mais críticos em meios mais undergrounds. Talvez no
fundo se sentisse como aqueles escritores notórios e já falecidos em um passado
distante, que mesmo tendo se dedicado em vida a escrever banalidades, após a
morte descobriam-se quais eram de fato as suas grandes obras.
Mas seria falar de amor e sexo mera banalidade? Ela vivia a
tentar se convencer disso, a tentar se convencer da irrelevância desses temas,
do quão pouco “sérios” são e que só lhe serviam como fonte de renda. No fundo,
ela buscava reduzir e sufocar a importância que amor e sexo têm na sua vida. Falar
de sexo talvez nem fosse tanto um problema, porque, tendo nascido mulher, destacar
o sexo como esfera relevante de sua vida, num mundo em que, segundo dizem,
apenas 30% das mulheres sabem o que é um orgasmo, naturalizar a sexualidade
feminina beira algo revolucionário. Já o amor? Bem, o amor já é mais que
naturalizado como um atributo feminino. Tinha raiva dele por ser algo que
estava dentro dela, sempre como uma utopia inatingível, drenando energias e
limitando suas possibilidades de desenvolvimento pessoal. Por mais que tentasse
escapar do impulso romântico, ele estava por todo lado lhe cercando, no rádio,
nos filmes, nos livros. E quando menos imaginava, se via perdida em mais uma
paixão, cujo fim era tão certo quanto o anoitecer ao fim do dia.
Sua irmã lhe dizia que sua vida amorosa era como um eterno
curto-circuito. Seu melhor amigo achava que sua busca vinha de uma insatisfação
por algo que ela procurava, mas não havia ainda encontrado. Ela não via sentido
em resolver nenhum curto-circuito, não queria mesmice. Tampouco queria acreditar
num amor redentor, isso parecia fazer tanto sentido como viver em busca da
fonte da juventude. Buscar o amor eterno, a paixão que nunca se finda, seria
tão absurdo como desafiar a morte. Assim, reconhecendo o único lugar em que o
amor romântico é realizável, despejava na ficção literária toda sua tempestade
de desejos latentes de amor e erotismo infinitos. Saciava assim sua sede ao
mesmo tempo em que inculcava nas mentes de seus leitores o desejo de vivenciar
aquelas histórias de ardor passional interminável. Contraditório? Bem, conforme
já dizia uma de suas amigas: a realidade é contraditória.
Mariana Penna, 2013.