Por algum motivo ainda
desconhecido, nesse mundo nascemos completamente sós. Só sentimos o nosso
corpo, só pensamos com nossa mente. O eu é nossa única certeza. “Penso logo
existo” já dizia Descartes a verdade primeira, talvez a única até. Não podemos ter
qualquer certeza. Porém, vivemos. Se tudo isso ao meu redor não for um sonho
solipsista, vivemos. E, talvez por uma questão de ampliar as chances de
sobrevivência, vivemos em sociedade, precisamos uns dos outros. A necessidade
do outro e a prisão da mente estão intimamente relacionados. Só temos a nós
mesmos, o outro é sempre um mistério inacessível. Podemos compartilhar ideias,
sonhos, frustrações. Isso quase nos ilude, pensamos entender o outro. O auge
disso é a paixão, quando um intenso desejo de comunhão, uma ânsia ensandecida
por fundir-se ao outro em corpo e mente torna o processo de comunicar uma prazerosa
busca pelos mistérios guardados na mente alheia. A revelação desse mistério não
é porém nunca real. Podemos nos comunicar, podemos querer bem ao outro, podemos
sofrer pela dor do outro, podemos amar verdadeiramente. Mas nunca, nunca
sentimos, nunca vivemos nem mesmo por um instante a sensação de ser o outro, a
sensação de ser algo que não nós mesmos, nunca saímos da prisão da mente.
Por
isso precisamos desesperadamente dos demais, nos satisfazemos ou buscamos isso
no contato com os demais. E justamente por precisarmos dos outros, nos
subordinamos aos seus julgamentos. Sofremos simplesmente pelo medo de que
pensem algo negativo de nós. Esperamos pela aprovação alheia e nos
congratulamos com ela. É um eterno jogo de troca de favores. Assim, mesmo
indiscutivelmente sós em nossa existência, não conseguimos fazer nada
verdadeiramente para nós mesmos. O inferno e o céu são os outros.
* Trata-se de uma referência à frase de Sartre “O inferno são os outros”.
Mariana Penna, 2013.