quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Olhar Compaixonante (Parte I)


1999: Era uma festa. Formatura do Ensino Médio. Lá estava ela sentada na areia da praia, por breves instantes tentando ficar alheia ao seu entorno e voltar-se para si mesma. Havia em sua frente uma fogueira, muita gente em volta e uma fogueira. Olhava para as chamas. Sentia-se satisfeita, orgulhosa do seu feito. Sentia-se forte, isso era bom, demasiado bom. Superara as expectativas que os outros tinham a seu respeito. De uma adolescente tímida e considerada puxa-saco de professores a uma aprendiza de devassa. Beijou três, sequer soube seus nomes. Sequer houve conversa, ela não sabia nem como soavam suas vozes. Talvez por isso, ou pela brevidade da “ficação”, não sentiu qualquer excitação sexual. Mas, naquele momento, não era isso que importava, o que importava era sentir que podia fazer o que todo mundo fazia, ou dizia fazer...  e  ela fez. Decerto teria sido agradável ao menos uma troca de olhares, um jogo de sedução, mesmo que breve... mas não, foi tudo rápido, certeiro, "pa, pum", objetivo como a compra de uma caneta bic preta, com o dinheiro já trocado, na frente do portão onde ela foi prestar o vestibular. Tudo como planejado, tudo perfeito, agora era só contar para todo mundo e provar que aquela nerd, de quem todo mundo debochava, estava sepultada bem fundo em algum lugar distante. Com aquela garota ninguém mais ia mexer porque ela não estava de bobeira. Mas...
eis que foi interrompida por...

...um olhar.
Que olhar era aquele?
Do outro lado da fogueira, distorcido pelo fogo, a visão de um par de olhos a buscar suas pupilas como foco parecia quebrar as regras do jogo. Ele estava lá, sentado também na areia. Branco, cabelos negros, lisos e compridos. Houve uma quebra da ordem. Não era propriamente um olhar de flerte, ou melhor, não era somente um olhar de flerte. Era um olhar compassivo. Mas por quê, por quem? Ele olhava para ela, mas era dela que ele sentia compaixão? Isso passou pela cabeça da garota, mas não, ela concluiu que não. Era dele? Talvez.
Aquela situação foi enchendo sua cabeça de perguntas. Precisava de respostas rápido. Sua missão da noite estava cumprida, que nova prova era aquela? Ele parecia solitário, melancólico. É, era um olhar de melancolia, devia ser, mas não só. O que mais? Ternura e talvez um sentimento de vazio, mas um vazio que anseia por ser preenchido. É, parecia uma leve e doce tristeza o que aqueles olhos expressavam. Mas então, ao confrontar-se com esta breve análise, sentiu subitamente uma repulsa! Sentiu-se de frente a um espelho. As chamas a flamejar pareciam como as fronteiras de um portal que a levava para o outro lado, um lado que estava lá, guardado em seu espírito e que precisava manter-se guardado naquele momento. A missão a qual se dedicou aquela noite só implicava ação e euforia, não introspecção, nem melancolia, nem mesmo ternura! Foi então que de súbito resolveu encerrar a abertura do portal: cortou a ligação entre as pupilas, levantou-se da areia e foi-se embora.

Mas, encontrando com os colegas para ir embora, qual alma penada aquele olhar fez sua cabeça de casa mal assombrada. 


(Continua...)


Mariana Penna.

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